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quarta-feira, 27 de junho de 2012

609. O Vento

O vento era como uma pessoa viva. Havia dias em que ele aparecia zangado e entrava pelas ruas a soprar, a abanar os toldos, a levantar a areia e a escurecer o sol. O vento era assim. Lourença não gostava dele. Trazia sempre o cabelo despenteado e a areia colada à cara.
Quando ele vinha do Norte, levantava o pano das barracas e fazia rolar os chapéus pela praia fora. Bufava como um touro, miava como um gato. Lourença batia-se com o vento, trocava-lhe o caminho, espreitava-o das esquinas, ia sair mais longe para o enganar. Mas o vento era indomável; se comia na praia, o vento enchia de areia o bolo de arroz; entrava nas costuras e, um ano depois, se a bainha era desfeita, a areia caía no chão com um barulhinho amigável. Como se dissesse: «Cumprimentos do vento, ele espera-te lá fora». A areia e o vento andavam juntos e davam-se bem. Areia seca e areia molhada; areia com cheiro a peixe e gosto a sal; areia branca, areia de terra, areia de pó. Era demais. Lourença disse:
— Quero um escafandro para sair à rua.

Agustina Bessa Luís, Vento, Areia e Amoras Bravas, Lisboa, Babel, 2011, p.53.

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