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terça-feira, 10 de julho de 2012

640. Civilização

De resto, que importa bendizer ou maldizer da vida? Afortunada ou dolorosa, fecunda ou vã, ela tem de ser vivida. Loucos aqueles que, para a atravessar, se embrulham desde logo em pesados véus de tristeza e desilusão, de sorte que na sua estrada tudo lhes seja negrume, não só as léguas realmente escuras, mas mesmo aquelas em que cintila um sol amável. Na Terra tudo vive — e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem e que o separa da restante Natureza, im-pensante e inerte. É no máximo da civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade é necessário regressar ao Paraíso — e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência! Dixi!
Eça de Queirós, «Civilização», in Contos, Lisboa, Bertrand Editora, [2010], p. 332

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